Covid 19, fosfoetalonamina e acupuntura são objetos de investigação na Revista de Direito Sanitário
No dia 05 de maio, a Organização Mundial da Saúde decretou o fim Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à covid-19. A decisão não apaga o turbilhão sanitário, social, econômico e emocional que vivemos desde 2020 e a pandemia seguirá sendo assunto de extrema importância para a ciência, em todos os campos do conhecimento.
Dois artigos recém publicados pela Revista de Direito Sanitário analisam diferentes aspectos da pandemia, a partir de dois países sul-americanos.
Em "Uma análise retrospectiva do manejo da pandemia de covid-19 em Guaiaquil e Quito, Equador", os pesquisadores Daniel Ramos-Sarmiento e Darwin Paredes-Núñez apresentam uma retrospectiva da gestão da pandemia nas duas maiores cidades equatorianas, a capital Quito e Guaiaquil. Os autores compararam dados e estatísticas oficiais e concluíram que, na capital, "houve uma melhor gestão focada na contenção do contágio e, portanto, uma redução na taxa de mortalidade", em comparação com a cidade de Guaiaquil, onde se registrou um número "exorbitante de mortes em hospitais, casas e ruas".
Já as pesquisadoras Célia Souza da Costa, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de Araújo e Walkyria Chagas da Silva Santos, no artigo "Direitos humanos e covid-19: diálogos a partir da racialização da população negra", discutem os efeitos da covid-19 sobre os direitos humanos da população negra brasileira, "questionando a própria concepção de direitos humanos, a partir de autores e autoras que discutem a necessidade de racializar este debate". As autoras destacam que a pandemia pode ser "uma base" para se repensar o racismo estrutural, estimulando a ação dos movimentos sociais para exigir mudanças nas políticas de Estado para a real efetivação dos direitos da população negra.
Assim como a cloroquina foi vendida e propagandeada como uma cura para a covid-19, no início dos anos 2000, a fosfoetalonamina sintética também foi alçada à condição de remédio mágico que prometia curar qualquer tipo câncer. Mesmo sem nenhuma evidência científica que comprovasse seu poder curativo, em fevereiro de 2016, "os pedidos de concessão de fosfoetanolamina já correspondiam a cerca de 13 mil decisões liminares", obrigando a Universidade de São Paulo a fornecer a substância. Os dados fazem parte do instigante artigo "A judicialização da fosfoetalonamina sintética no Brasil", de Mayara Costa Freire Vasconcellos Pitanga, Janaína Lima Penalva da Silva, Pedro Ivo Sebba Ramalho.
A análise de decisões judiciais da comarca de São Carlos (SP) mostrou que as sentenças de primeira instância "concederam a fosfoetanolamina com base no testemunho dos pacientes sobre impactos positivos do uso da substância em sua saúde e pela ausência de registro de efeitos colaterais". Já no Supremo Tribunal Federal, "a ausência de evidências científicas e a utilização de legislação para criar exceção casuísta levaram à declaração de inconstitucionalidade da norma pela maioria dos votos". Na investigação, os pesquisadores detectaram "certa indisposição do Poder Judiciário em incorporar [...] a avaliação das autoridades de regulação e fiscalização em saúde como fonte da correta avaliação da segurança e eficácia de medicamentos". Os autores concluíram que "o testemunho dos pacientes sobre as perspectivas de cura ou redução do sofrimento, somado à ausência de provas nos processos judiciais sobre os riscos do consumo da fosfoetanolamina, foram cruciais" para que juízes exigissem o fornecimento da substância ineficaz por parte do poder público.
Por fim, o último artigo dessa leva de trabalhos publicados na Revista de Direito Sanitário, "O processo regulatório do exercício da acupuntura no Brasil: dilemas e conflitos" trata de um tema polêmico no campo das profissões de saúde. Os pesquisadores Alan Kornin e Walter Ferreira de Oliveira analisaram "a constituição dos discursos de atores e entidades envolvidas no processo regulatório da acupuntura no Brasil", entre os anos 2000 e 2012, período marcado por "intensos conflitos judiciais entre as classes profissionais médicas e não médicas". Os resultados mostram as "movimentações judiciais das classes médicas em torno do monopólio da acupuntura em detrimento das profissões não médicas", com base em argumentos que criminalizam os não médicos pela prática dessa terapia.
Esses e outros artigos publicados no volume 22 da Revista de Direito Sanitário estão disponíveis com acesso aberto em: https://www.revistas.usp.br/rdisan