Muxarabis para a metrópole: imaginando passados nos postais de José Wasth Rodrigues para o IV Centenário de São Paulo
DOI:
https://doi.org/10.11606/1982-02672025v33e3Palavras-chave:
Cartões-postais, José Wasth Rodrigues, IV Centenário de São Paulo, Rótulas, MuxarabisResumo
O artigo aborda como algumas representações visuais do passado da cidade de São Paulo realizadas para as comemorações IV Centenário, em 1954, estiveram associadas às práticas de valorização memorial de janelas e balcões de treliças de madeira, elementos tratados como evidência de identidade nacional e de um comportamento social regrado advindo do passado colonial. O texto tem por foco um grupo de postais com representações de casas que existiram no centro paulistano em meados do século XIX e que reproduziam aquarelas realizadas por José Wasth Rodrigues, baseadas sobretudo em fotografias de Militão Augusto de Azevedo, tomadas na década de 1860. Algumas delas representam casas com balcões fechados — total ou parcialmente — por rótulas, treliças que vedavam costumeiramente as construções urbanas brasileiras até o século XIX. Os postais — adquiridos pela comissão organizadora dos festejos do IV Centenário — são aqui compreendidos como um instrumento preceptivo e instituidor de uma concepção oficializada do passado, que integravam a cidade de São Paulo num circuito de valorização desse elemento arquitetônico, que fora praticado tanto pelo movimento neocolonial quanto pelos modernistas do Sphan e também pelo Museu Paulista. Tal concepção tomava os balcões, herdados das tradições mouras na península Ibérica, como sinal de uma ordem comportamental rígida e estável que cindia casas e ruas. Essa visão normativa é algo paradoxal, ao menos no que se refere às casas com “muxarabis” fotografadas por Militão de Azevedo, todas elas marcadas pela deterioração material ou por práticas sociais muito distantes do recato doméstico a que esses balcões eram associados pelas interpretações históricas correntes no século XX.
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