Dossiê A Poética Negra feminista situa o pensamento político

2021-06-29

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Em 1950, o poeta, ensaísta e ativista Aimé Césaire afirmava que não seria possível pensar o fascismo sem olhar para a colonização. Em 1956, o psiquiatra e revolucionário Frantz Fanon apontava que o racismo, longe de ser mero resquício passado, ou tão-somente uma "disposição de espírito" por parte de certos indivíduos, seria estruturante das sociedades modernas. Inspirado por tais intelectuais engajados e pelo trabalho da filósofa e artista Denise Ferreira da Silva, este dossiê propõe examinar, em termos tanto de forma quanto de conteúdo, as implicações mais amplas ao fazer teórico político ao se tomar a sério o problema da violência genocida imposta aos corpos e territórios não brancos no presente global composto por suas arquiteturas coloniais em termos políticos, econômicos e simbólicos. 

Para atender a questão “por que a morte de jovens negr*s pelas mãos de agentes do Estado não causa uma crise ética global?”, Ferreira da Silva entende que, em termos analíticos, é preciso ir além de apelos morais ou mesmo de uma perspectiva inclusiva. Embora esta última seja necessária, a autora afirma que, mesmo que pessoas não brancas adquiram direitos, estes colapsam toda vez que o Estado se utiliza de suas forças de autopreservação. Em direção ao “fim do mundo como conhecemos”, com a Poética Negra Feminista — práxis radical elaborada por Ferreira da Silva — procuramos chamar a atenção para a racialidade como produtora da própria universalidade, inscrita nos textos, corpos, territórios e instituições. Entendemos, portanto, que nenhuma análise política deveria deixar de levar em consideração a questão da racialidade e do roubo de terras nativas.

Este dossiê pretende reunir trabalhos que partam da realidade violenta imposta pelo racismo, pelo colonialismo e pelo sexismo, contribuindo, por um lado, para se pensar criticamente as bases ontoepistemológicas do pensamento político moderno, e fomentando, por outro, a imagiação do político em termos que não coincidam com a expansão do Estado-nação. Visando à desnaturalização da violência genocida, aceitamos artigos que busquem evidenciar a presença do racial e do colonial em textos escritos durante a colonização e o advento dos Estados-nação que são caros ao pensamento político ocidental moderno, ao pensamento político brasileiro e latino-americano, de modo a cobrir a atual lacuna de perspectivas críticas neste campo de estudos no Brasil. Também são bem-vindos trabalhos que tragam para o debate a contribuição de autor*s sistematicamente apagad*s para se (re)pensar o fazer político. Assim, reuniremos também, neste dossiê, narrativas outras — isto é, contra, antes e além da violência total — sobre o existir político, bem como reflexões críticas acerca da relação entre forma e conteúdo no fazer teórico político.

Os artigos serão aceitos até 31/08/2021 pelo sistema on-line da Revista Leviathan. Além da chamada pública, o dossiê contará com artigos de pessoas convidadas, entrevistas com pensador*s relevantes na área de estudos, traduções e elaborações em formatos diversos.

Organizadoras: Nathália Carneiro e Léa Tosold